BD na idade adulta: Watchen e Maus

Os Watchmen são, junto com Maus e The Dark Knight Returns, os livros da idade adulta da BD mainstream anglo-americana. Noutras bandas – Argentina, Japão, Europa – já havia aquele tipo de trabalho. Não nos Estados Unidos. Nos anos 60 e 70 deu-se o apogeu do underground, com Robert Crumb e outros, mas são estes três livros que modificam os Comics mainstream nos Estados Unidos. Que Alan Moore seja inglês pode ou não ser um pormenor – o facto é que é alguém que partilha a língua e, nos comics, consome desde jovem a BD americana; é também excepcionalmente culto e lido.

Narrativa pós-moderna: estilo faux classique no desenho de Gibson, meta-narrativa de super-heróis, a um só tempo crítica e re-criação. Todos são um pouco menos e um pouco mais que os super conhecidos. Nightowl é um pouco menos que Batman – menos masculino, mais frágil, mais gordo, mais neurótico, mais judeu – com a sua fragilidade e hesitação aproxima-se do Homem-Aranha (Até então o único herói claramente judeu era, arguably, o Homem-Aranha.) Daniel Dreiberg é um Peter Parker de meia-idade. Ozymandias ficou com o lado ariano de Bruce Wayne. E Dr. Manhattan é o Super-Homem, mas é mais que o Super-Homem – não é um messias, o filho de Deus, é mesmo Deus. E assim por diante. Rorschach, o meu favorito, não tem poderes nenhuns, nem sequer arcaboiço – é apenas um irlandês franzino que, à força da sua fúria, se tornou intimidante e extraordinário a lutar contra criminosos comuns. Porque, mais ainda que eles, não tem medo de magoar. O seu sentido de justiça faz dele um borderline fascist. Lembra mais Humphrey Bogart e o seu Philip Marlowe que um qualquer herói. É um misantropo misógino não muito inteligente.

O Comedian, cuja morte espoleta o entretecer de narrativas e cuja vida vamos conhecendo aos poucos é um Joker ao serviço do Bem e, depois, do Governo. Joker/Comedian: não é preciso ser brilhante para ver a relação. É um cínico lúcido, o único que sobrevive da primeira geração de heróis mascarados porque, ao contrário deles, não é ingénuo. Há aqui uma lição sobre a idade de ouro dos heróis – quantos sobrevivem nas décadas cada vez mais cínicas à medida que nos aproximamos do milénio?

Ao longo de doze episódios, há um arco narrativo – o desvendar da morte do Comedian – e vão sendo apresentados os diferentes personagens principais. Cada um tem a sua história e pouco ou nada tem a ver com as outras. Mas há arquétipos a encontrar, não só na mitologia clássica ou dos super-heróis, mas na literatura moderna. Silk Specter, a rapariga que se apaixona pelo homem casado. Nightowl, o solitário tímido que só consegue pô-la de pé quando põe a máscara e combate o crime. Rorschach, o rapaz das ruas, vítima de maus tratos em Hell’s Kitchen e resultado do trauma de ver a mãe prostituir-se por meia-dúzia de dólares. Ozymandias, o yuppie super-inteligente que se reconhece/outorga eleito para salvar o mundo e os humanos de si próprios.  

Os textos no fim de cada capítulo – em prosa pura e dura, o mais das vezes. Obrigando-nos a ler pausadamente. Dizendo: isto não é [só] uma BD. Ou: não é uma BD como as outras.

A ambição de fazer um texto literário que aguenta qualquer competição, em termos de inteligência, construção narrativa, profundidade psicológica, precisão na escrita, elegância, harmonia, ambição, inovação.

O tratamento da História, introduzindo apenas as modificações inerentes à existência daquelas personagens, nomeadamente de Dr. Manhattan.

São inúmeros os livros e filmes influenciados por Watchmen nos últimos 30 anos. Infelizmente, por esse mesmo facto, quando em 2009 estreou, o filme pagou o preço desse sucesso do livro: pareceu anacrónico, antigo, um pastiche de coisas que já tínhamos visto.

Tínhamos visto, sim – em livros e filmes pastichando, melhor ou pior, com maior ou menor consciência e pudor, o livro… (E a que se deve essa falta de pudor? Cá para mim pela mesma razão por que muita gente pensa que plagiar do Facebook é menos grave que plagiar do papel – porque «é BD, ninguém leva a mal».)

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